As estatísticas revelam que a cada 800 partos nasce uma criança com Síndrome de Down. Apesar dessa expressiva taxa de ocorrência, ainda é grande no Brasil a dificuldade de acesso a informações, profissionais e aparatos necessários para o pleno desenvolvimento de crianças nessa condição. Mãe da pequena Beatriz, a advogada mineira Maria Antônia Goulart se deparou com esta preocupante realidade há um ano e meio, depois do nascimento da filha. E partiu não só em busca de conhecimento como decidiu compartilhá-lo com outras mães e familiares na mesma situação e, de forma pioneira, com as próprias pessoas com SD. Da sua obstinação nasceu o portal Movimento Down (www.movimentodown.org.br), com patrocínio da Amil, que a partir do dia 21 de março, quando entra no ar, promete se transformar em fonte de referência no país para todos aqueles que buscam informação, orientação e um espaço de discussão sobre a Síndrome de Down.
Para dar forma ao projeto, Maria Antônia iniciou há oito meses a mobilização de uma extensa rede de colaboradores – entre profissionais, instituições e empresas, além de familiares e amigos de pessoas com SD –, para desenvolver, de maneira inédita, conteúdo qualificado e ao mesmo tempo acessível para este amplo universo de indivíduos. “Ao mesmo tempo em que ficamos felizes com o excelente desenvolvimento da Beatriz, nos angustiamos com o fato de que somos parte de uma minoria que tem acesso às informações e meios de atendimento ideais. Isso nos motivou a querer difundi-los da forma mais abrangente possível”, explica Maria Antônia.
A data de lançamento do site não foi escolhida ao acaso: desde 2006, 21 de março é o Dia Internacional da Síndrome de Down no Brasil e em cerca de 40 países. A partir deste ano, terá um alcance ainda maior, pois será celebrado pela primeira vez em mais de 193 nações, graças à moção apresentada pelo Brasil na ONU e aprovada por consenso. “Desde que foi instituída, a ideia do 21/3 é que seja voltado para as próprias pessoas com Síndrome de Down. É uma oportunidade para que falem por si próprias. Elas têm a palavra para dizer quais suas necessidades, seus sonhos e de que forma podermos ajudá-los a serem cada vez mais inseridos na sociedade”, enfatiza Patrícia Almeida, integrante do conselho da Down Syndrome International e colaboradora do Movimento Down.
O portal será lançado oficialmente em Brasília, onde haverá uma sessão solene no Salão Negro do Congresso Nacional para comemorar a data. Neste mesmo dia será realizada na sede da ONU, em Nova Iorque, a conferência ‘Construindo o nosso futuro’, com expressiva participação brasileira. Os jovens da Associação Carpe Diem, de São Paulo, foram convidados para lançar o livro de sua autoria Mude o seu falar que eu mudo o meu ouvir, guia de acessibilidade na comunicação para pessoas com deficiência intelectual. A publicação, primeira no gênero em todo o mundo, terá edições em português e inglês. A entidade é uma das que apoiam o Movimento Down na produção de material acessível para o portal.
Um dos principais diferenciais da plataforma é sua acessibilidade intelectual. Frequentemente confundida com incapacidade, a deficiência não impede o desenvolvimento de uma vida normal e plenamente autônoma, desde que as pessoas nessa situação sejam tratadas dignamente e estimuladas a desenvolver todas as suas potencialidades. Assim, nada mais natural do que transformar o objeto do portal também em sujeito ativo: Breno Viola, 31 anos, que tem Síndrome de Down, é coordenador de conteúdo e um dos principais entusiastas do site. Em seu currículo estão feitos impressionantes. Primeiro judoca com SD a se tornar faixa preta nas Américas, esporte que pratica desde os três anos de idade, Breno alcançou o segundo Dan da Faixa Preta em 2007, tornando-se o primeiro Down a atingir este grau em todo o mundo. Praticou ainda outras modalidades esportivas como vela, jiu-jitsu e natação. Nesta última, foi medalhista no IV Campeonato Brasileiro Especial de Natação, em 2000, e nos III Jogos Nacionais das Olimpíadas Especiais, dois anos depois. Participa, de forma atuante, em diversos eventos e campanhas em favor da inclusão social da SD, entre desfiles, conferências, encontros, concursos e shows. Breno ainda poderá ser visto em breve no cinema como um dos protagonistas do longa ‘Os colegas’, que entra este ano em circuito e foi vencedor do Prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Paulínia, em 2008. “Breno é o exemplo de que os limites impostos pela Síndrome de Down não são definitivos e pré-estabelecidos. Como qualquer pessoa, quem tem SD apresenta aptidões distintas e diferentes graus de desenvolvimento. Por isso o estímulo motor e intelectual e o cuidado com a saúde são tão importantes”, esclarece Maria Antônia.
Com base nessas constatações, a saúde ganhou papel de destaque no portal. Explicações detalhadas sobre os cuidados necessários com a criança, desde o seu nascimento, estão dispostas através de uma linha do tempo, dividida por faixa etária. O internauta terá a chance de controlar os marcos de desenvolvimento de cada idade, assim como encontrar serviços públicos e privados relacionados por região. O usuário poderá também fazer uma avaliação deste atendimento, o que, através de parcerias firmadas com as diversas instâncias do governo, poderá servir como parâmetro para a implementação de melhorias. Haverá ainda informações sobre terapia ocupacional, fisioterapia, fonoaudiologia, psicomotricidade, psicopedagogia, psicologia, equoterapia e hidroterapia, entre outras especialidades terapêuticas, além de dicas para brincadeiras e estimulações que podem ser feitas em casa.
As atividades do Movimento Down não ficarão restritas à internet. Um censo pioneiro, atualmente em curso na comunidade da Maré e realizado em parceria com a entidade Redes de Desenvolvimento da Maré, servirá como piloto para o início de um mapeamento inédito da Síndrome de Down que irá ajudar na criação de novas políticas públicas de atendimento. Paralelamente, está sendo criada uma brinquedoteca, em conjunto com o Curso de Terapia Ocupacional da UFRJ, onde serão formados profissionais de terapia ocupacional e desenvolvidos brinquedos e brincadeiras para auxiliar no desenvolvimento das crianças com SD. Maria Antônia alerta que “é importante que as ações extrapolem o âmbito da web. Uma esfera precisa alimentar a outra para que haja reais avanços para a autonomia e plena inclusão social de todos com Síndrome de Down”.
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